A relação entre a moda Y2k, gordofobia e racismo

Assim como quase todas as tendências dos últimos tempos, as redes sociais (especialmente o tiktok) também são responsáveis pela volta de mais uma: Y2K
Basta descer o feed do tiktok, instagram ou pinterest que você percebe o quanto as roupas e acessórios que eram usadas nos anos 2000 voltaram e com elas as mesmas problemáticas que já traziam nessa época.
Mas afinal de contas o que significa a tendência Y2K e porque ela tem relação com a gordofobia e racismo?
Y2K é abreviação de “anos 2000” e originalmente se refere a um suposto bug que aconteceria com os computadores e programas na passagem de 1999 para o ano 2000.
Hoje a sigla foi ressignificada e basicamente representa tudo que era tendência nos anos 2000, desde estética, música, moda, cultura e por aí vai…e foi nesse sentido que a trend Y2K voltou com tudo.
Y2K e sua relação com a gordofobia
Entre peças como baby looks, mini saias, calças de cintura baixa, tops, muita transparência, materiais brilhantes e acessórios como bandanas, óculos coloridos, piercing no umbigo, presilhas coloridas também estão (mesmo que nem sempre tão aparentes) a gordofobia e o racismo.
Vamos relembrar o quê e quem estava no auge nos anos 2000?
Celebridades e o corpo como principal acessório
Os anos 2000 foram marcados por celebridades como Paris Hilton, Britney Spears, Christina Aguilera, Lindsay Lohan em looks em que a principal peça era o corpo extremamente magro e que hoje são lembrados facilmente quando pesquisamos e falamos em tendência Y2K.

O Heroin Chic e suas consequências
As pessoas ainda vivam as consequências do “heroin chic” que surgiu nos anos 90 e basicamente envolvia o uso de drogas, especialmente a heroína na indústria da moda.
Logo, na época, era bastante comum modelos extremamente magras e rostos secos em revistas e editoriais de moda.
Kate Moss foi uma das modelos mais conhecidas pelo heroin chic na época.


Distúrbios alimentares e internet
E esse novo “padrão” de corpo feminino reverberou na saúde das pessoas e na forma que as pessoas fora desse padrão eram tratadas.
Logo casos de distúrbios alimentares como bulimia e anorexia aumentaram muito.
Segundo esse estudo (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK65135/) internações, nos EUA, causadas por distúrbios alimentares aumentaram entre 1999-2000 e 2007-2008 chegando a 24% nesse períodos.
Ainda nos anos 2000 o surgimento de mídias sociais resultou no crescimento de sites e blogs pró anorexia e bulimia.
O movimento pró-anorexia (PRO-ANA) e pró-bulimia (PRÓ-MIA) data do início dos anos 2000 e trata-se de uma forma abrangente da adoção da anorexia e da bulimia, conhecidos transtornos alimentares, de repercussões severas à saúde, como um estilo de vida.
No Brasil, o movimento tem início em 2002, com a criação dos webblogs, e potencializando-se a partir de 2004 com a criação e popularização dos sites de relacionamento.
Leia mais em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/nutricao/webblogs
Pressão estética e gordofobia ainda não eram problematizadas no mainstream
Ainda falando de pressão estética e gordofobia na era Y2K era bem comum que celebridades que fugiam desse padrão magro fossem expostas em capas de revistas. Ainda hoje acontece, mas agora é algo extremamente criticado.
Muitas dessas celebridades nem eram pessoas gordas, mas a fixação e controle com o corpo feminino era tanta que mesmo essas pessoas sofriam consequências dessa vigilância alheia com corpo.
Celebridades como Alicia Silverstone, Drew Barrymore e Tyra Banks são algumas das mulheres que foram vítimas de body shaming por supostamente estarem “acima do peso” mesmo sendo mulheres magras.
Basicamente era esse o cenário nos anos 2000 e apesar de colorida e aparentemente good vibes a moda Y2K tinha um corpo magro como principal característica.
Pesquisando “Y2K trend” no google ou no pinterest você chega a essa conclusão em segundos:


Y2K e sua relação com o racismo
Além da questão corpo a moda Y2K também é problemática quando apaga a contribuição da comunidade negra atribuindo a pessoas brancas a estética que foi criada por pessoas pretas.
Algumas das peças mais populares do estilo Y2K foram usadas primeiro por pessoas como Lil Kim, Missy Elliot, Destiny’s Child, Aaliyah e outros artistas negros, mas hoje são lembrados e associados com celebridades como Paris Hilton, Britney Spears e Kim Kardashian.
Segundo a pesquisadora Sabrina Strings no livro “Fearing the Black Body: The Racial Origins of Fatphobia” no século 17 a gordura passou a ser associada a pessoas negras e assim se tornou indesejada.
Para saber mais leia: https://resistadotblog.wordpress.com/2022/02/24/o-corpo-gordo-como-espaco-politico-gordofobia-capitalismo-e-classe/
Muitas dessas estéticas somente se popularizam quando usadas por corpos brancos e magros sendo comum que tivessem estereótipos negativos como de “guetto” quando usadas por pessoas pretas nos anos 90.
Inclusive, isso é bem comum ainda em 2022.
Veja alguns dos exemplos de artistas negros que de fato estão por trás da estética Y2K:







Então a estética Y2K é gordofóbica e racista?
Calma!
A realidade é que vivemos em uma sociedade gordofóbica e racista que sempre beneficia o corpo magro e branco em detrimento de corpos que fogem a norma, mas aos poucos as coisas têm mudado.
Movimentos de inclusão se popularizaram e por mais que a moda seja cíclica as tendências estão voltando com a consciência que precisam ser pra todo mundo e não apenas para um grupo.
É claro que nem sempre isso acontece, visto a mini saia da miu miu que rapidamente se popularizou em corpos extremamente magros:

As pessoas ainda se lembram bem como era os anos 2000 em relação a exclusão que a moda propunha e por isso reagiram a imagem que foi criada com essa mini saia não só nas passarelas, mas em capas de revistas e street style de blogueiras que desde lançada só foi vista em corpos magros.
Reagindo as criticas, a modelo plus size Paloma Elsesser foi capa da ID com uma versão “plus size” disponibilizada pela marca:

Mas a empolgação não durou muito tempo, afinal o modelo plus size da saia hit da miu miu era exclusivo e não estava sendo vendido nas lojas.
Você vai gostar: 4 modelos que fogem do estereótipo para seguir
Outra marca que se destacou pela volta dessa estética é a Blumarine que usa alguns elementos famosos da era Y2K, mas novamente reforça a imagem e a lembrança de corpos extremamente magros:

É importante ressaltar que o problema não são as roupas ou a estética Y2K, mas sim a imagem que foi construída e reforçada com elas.
O fato é que as pessoas estão atentas a volta dessas tendências e sempre que necessário questionam e lembram que agora precisa ser diferente: